30 de jun. de 2013

Livro - Insólita Metrópole

"Ah, São Paulo de 1932, um só corpo e uma só alma!". "Trinta e dois não foi uma revolução, foi uma Paixão! Vida, Paixão e Glória de São Paulo". Assim vibra Paulo Bomfim, recordando a euforia do movimento popular que lançou os paulistanos contra o governo de Getúlio vargas e por uma nova constituição - um dos episódios mais marcantes da história da "insólita metrópole" que é tema dos itinerários de memória e de afeto do "Príncipe dos Poetas Brasileiros".

Improviso e Arte do Futebol Moleque

Dois livros sobre futebol amador jogado nas ruas, nas praias, em campos improvisados, em lugares remotos e desconhecidos: o projeto de registrar os jogos informais ou espontâneos rendeu duas obras que permitem sentir a vibração e a alegria genuína e gratuita do esporte mais popular do planeta.
Procurar boas peladas mundo afora foi justamente o que motivou a norte-americana Gwendolyn Oxenham (ela mesma uma jogadora do "soccer", com passagem pelo time do Santos em 2005). O livro surgiu como um projeto de documentário em que Gwendolyn e seu namorado, Luke, acompanhados de um casal de amigos, se lançam à aventura de registrar peladas ("picados" em espanhol ou "pick up soccer" em inglês) ao redor do mundo.

Marinheiro a Cavalo

De Jack London muita já se escreveu sobre a vida e obra. Ele próprio, inclusive, se autobiografou intelectualmente por meio do personagem Martin Eden, ou contou suas próprias façanhas na "Travessia do Snark". Aliás, pode-se dizer que Jack London é o personagem típico das histórias de Jack London. Um sujeito indomável, astuto, idealista. Como ele gostava de se definir: um marinheiro a cavalo.
Mas, por trás desse personagem de romance de aventuras, existe o homem, nascido John Griffith Chaney, cuja vida é um bocado mais complicada. "Jack London - Uma Vida", do inglês Alex Kershaw, tenta dar conta das várias facetas do autor de "O Chamado Selvagem". Escrito em 1996, o livro é uma espécie de biografia definitiva do escritor, jornalista e ativista americano.

Livro - Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda

A fascinante  lenda de Arthur, rei da Bretanha, influenciou escritores e artistas de diferentes tradições. Espanto algum causa, por exemplo, a descoberta recente do poema inacabado "The Fall of Arthur", de Tolkien. No início do século passado, Howaerd Pyle (1853-1911), importante ilustrador norte-americano, publicou uma tetralogia do ciclo arturiano, escrita e ilustrada por ele. A presente edição traz o texto integral e as 41 ilustrações do primeiro volume.

Livro - O Grande Gatsby

Não se deixe enganar pela duvidosa capa, que tenta emprestar o burburinho comercial da mais recente adaptação cinematográfica de um dos maiores clássicos da literatura norte-americana do século 20.
Essa nova edição da história de Gatsby - o novo - rico que reaparece misteriosamente na baía de West Egg para reconquistar o amor de Daisy Buchanam - é exemplar, com muitos acertos de tradução. O livro traz também o prefácio do autor, escrito em 1934, quando a obra ainda era um fracasso de público, e algumas cartas escritas por Fitzgerald ao seu editor, Maxwell Perkins, revelando as dúvidas do autor no processo de finalização do romance.

Livro - Um Sonho Ruim

Um "Dostoiévski à francesa", nos seus embates entre culpa e pureza, esperança e agonia. Expoente do que Antoine Compagnon chama de tradição "antimoderna" - que se digladia com a herança de anomia do processo revolucionário regicida e deicida de 1789.
Essas são aproximações possíveis e Bernanos (1888-1948). Em "Um Sonho Ruim", comparecem elementos de outras obras-primas, como "Sob o Sol de Satã" e Diário de um Pároco de Aldeia".

29 de jun. de 2013

Livro - O Retrato de Dorian Gray

Vulgar, sujo, venenoso, infame, indecente, de um decadentismo leproso, uma impostura. Essas foram algumas das críticas da imprensa britânica quando "O Retrato de Dorian Gray" foi lançado por Oscar Wilde, inicialmente numa revista, em 1890, e no ano seguinte em livro (muito modificado e autocensurado, em resposta ao escândalo).

Livro - Tempestades de Aço

Jünger é dessas figuras demoníacas que surgem ciclicamente na Alemanha de Lutero, Nietzsche, Freud e, por que não?, Hitler. Participou da Legião Estrangeira e das duas guerras mundiais; de seus diários surgiu "Tempestades de Aço", em que exalta a guerra como experiência estética - ou até sensual: "Com reverência incrédula, ouvimos o compasso lento do rolo compressor do front, melodias que haveria de se tornar costumeiras para nós naqueles longos anos. Bem ao longe, desintegrava-se a bola branca de uma metralha no céu cinzento de dezembro. O hábito da batalha soprava até onde estávamos e nos deixava estranhamente arrepiados".

Livro - Cinco Séculos de Poesia

A vida, segundo Boris Vian, como dente que estraga de repente, que dói, e então você o sente, coisa doída que, para ser resolvida, só sendo arrancada, a vida. A morte, para Poe, como o corvo sinistro que, no umbral da consciência, não faz senão repetir "nunca mais", decreto da finitude de todas as coisas. É de imagens fortes assim e versos clássicos, desde o século 16, que se faz essa coletânea de traduções de Alexei Bueno.

Livro - Na Franja dos Dias

A ironia sutil alinhava os poemas de Marcelo Sandmann, estabelecendo jogos de referências literárias, ou da cultura pop, e questionamentos sobre a própria poesia, na sua interface problemática com o real: "ah! vale a pena ser poeta / tudo sentir de todas as maneiras // meu pisante colorido / meu barraco lá no morro // veja: jatos de sangue / espetáculo de beleza".

Livro - Livro da Madrugada

Os poemas reunidos no "Livro da Madrugada", de Lelita Oliveira Benoit, apontam para uma crença no amor, na paixão e na sensualidade como experiências transcendentes, que remetem os amantes para "outro lugar", onde reinam "pura carne e leve espírito".
O problema é que o ideal de amor e de desejo acaba por prevalecer sobre a experiência amorosa concreta, vacilante, impura, efêmera, complexa, escatológicas, muitas vezes inapreensível. Tudo parece convergir para o emotivo, instância da pura subjetividade.

Livro - Iluminuras

O editor, gráfico, designer, tradutor e campeão brasileiro de esgrima Vanderley Mendonça é um sujeito de múltiplos alvos e milimétrica precisão. Em seu primeiro livro, ele demonstra tanto versatilidade quanto apuro. O editor do provocador selo Demônio Negro divide seu livro em duas fatias.
Na primeira, tem-se sua criação, exposta em versos afiados - de cantiga de amor e d'amigo - como "Para te ver tenho que fechar os olhos".

Livro - Pessoas Que Sonham Pelos Sonhos

"Pessoas que Passam pelos Sonhos" é o primeiro romance de Cadão Volpato, autor que até agora havia publicado quatro reuniões de contos. Um desafio que Cadão enfrentou, mantendo a tecla lírica se sua prosa para tocar em assuntos delicados, principalmente numa época de tanto obscurantismo.
Seu livro relata a viagem meio onírica de um brasileiro alto, loiro e de olhos azuis, Rivoli, por países da América do Sul, tendo por destino final a Patagônia, na Argentina. Para ser exato, um hotel no chamado "fim do mundo". Rivoli contrata em taxista, Tortoni (o sujeito tinha ponto no centenário Café Tortoni, em Buenos Aires), para levá-lo.

Livro - O Último Minuto

Um seminarista/missionário ouve, na cadeia, as confissões de um preso chamado João, o Vermelho. É uma história lenta, arrastada, ardilosa, sem pressa de chegar ao final, ao último minuto, aquele em que se revelará o motivo de estar confinado.
João, o Vermelho estudou educação física, depois foi técnico de futebol. Ele conta suas peripécias no Brasil e na Europa. Logo se vê que foi técnico mais ou menos bem-sucedido.

Livro - Gado Novo

Nessa obra de estreia do jovem autor catarinense, uma criança é brutalmente assassinada numa área rural no centro-oeste brasileiro. Cinco personagens narram, em primeira pessoa, momentos que se conectam com a morte da garota. Aos poucos, o leitor vai recolhendo informações e construindo o entendimento do crime, as motivações e relações pessoais entre os envolvidos.

Livro - Febre

Nesse breve romance em primeira pessoa, o narrador é um professor de filosofia que decide pedir em casamento a namorada, Mira, médica oncologista que frequentou algumas de suas aulas. A narrativa começa forte, com o acontecimento que irá alterar os rumos da história e da relação do casal, depois arrefece um pouco.
O evento central - o encontro e o pedido de casamento - dispara no narrador um processo de autoquestionamento, misturado a recordações e a inquietações filosóficas.

Livro - O Filho Renegado de Deus

Urariano Mota trata como ninguém o universo e, mais precisamente, o sofrimento feminino. Foi assim com seu livro anterior, "Soledad no Recife", é assim agora com "O Filho Renegado de Deus".
Um encontro fortuito, com uma misteriosa Maria, faz Jimeralto Lembrar-se de outra Maria, a sua mãe, morta quando criança. Assim se deflagra um turbilhão de recordações da infância passada em certo beco num subúrbio de Recife.

Livro - Deserto

Depois do belo "Desterro: Memórias em Ruínas", um livro no qual o professor e escritor Luís Krausz passava em revista sua história familiar, de judeus "vomitados pela Europa" durante o nazismo, como ele dizia, agora ele retorna o assunto, mas em chave ficcional. Não se trata mais de um livro de memórias, mas de uma ficção - até onde ficção e relato pessoal conseguem se separar inteiramente.
"Deserto" retoma, numa narrativa delicada e de muita observação e fina análise, o mesmo destino dos judeus. Agora, o narrador em primeira pessoa recorda uma viagem que fez a Israel na sua adolescência, nos anos 1970. A viagem tinha sido realizada pela Organização Sionista Unificada, cuja sede ficava no Bom Retiro, com uma condição: após o período de aulas e de cultivo agrícola, os alunos poderiam ficar mais um pouco em Israel na case de algum parente, mas não poderiam viajar para Europa, antes do retorno ao Brasil. "A Europa era a terra interdita das tentações burguesas que facilmente poderiam desviar um judeu jovem e ingênuo do caminho reto do sionismo".

Livro - Luz Antiga

"Billy Gray era o meu melhor amigo, e me apaixonei pela mãe dele". Craque, esse tal de Banville: sabe que, em matéria de romance, a primeira fase é definidora, puxa o restante da narrativa de mundo do narrador.
Mas Banville também é um enganador da melhor estirpe. Com esse estilo ligeiro, encobre uma história tristíssima; no entanto, deixa entrever que seu flerte é com a comédia de erros - ou melhor, com a comédia de fracassos.

Livro - A Vida Financeira dos Poetas

A desgraça financeira do jornalista Matt Prior, anti-herói deste romance sobre a crise imobiliária de 2008, nos Estados Unidos, é diversão da melhor qualidade. Não duvido que os leitores financeiramente enforcados irão se comprazer muito mais do que os raros felizardos bem-sucedidos. A desgraça alheia - não importa se real ou ficcional -, quando é maior e mais engraçada do que a nossa, sempre cai bem.

Livro - Debaixo de Algum Céu

Mais um português fofoleto entre nós. Parece uma praga. A nau da vez desembarca sob a voz de Nuno Camarneiro, gajo se 35 anos que neste segundo romance abiscoitou o prestigioso e caro prêmio LeYa (cem mil euros). Mas fala-se de fofo aqui não por sua carteira, e sim pela linguagem simples e pela comovida compaixão destinada a seus personagens. Todos vizinhos de um mesmo prédio, situado à beira-mar - embora tenha as janelas estranhamente voltadas para um pátio interno.

Livro - Vidas Partidas

O americano William C. Gordon é advogado, jornalista, dono de bar em São Francisco e casado com a escritora chilena Isabel Allende. Toda essa experiência (com a exceção do casamento, talvez) ele transporta para seus livros.
"Vidas Partidas" é seu quarto romance policial. Como outros exemplares do gênero, ele começa com uma dúvida (no caso, duas): quem matou e quem é a vítima. Para elucidá-las, são convocados o detetive Bruno Bernardi e o repórter Samuel Hamilton, ambos presentes nos outros livros do autor.

Livro - Puro

Ambientado na Paris pré-Revolução Francesa, o primeiro romance do inglês Andrew Miller publicado no Brasil costura fato histórico e fantasia de maneira admirável. Jean-Baptiste Baratte é um jovem engenheiro que recebe de um ministro do rei Luís 16 a missão de demolir a igreja de Les Innocents e remover seu cemitério.
Baratte é um homem moderno, discípulo de Voltaire, avesso à religião e à superstição. Mas há questões de ordem prática e moral que não podem ser negligenciadas. Entre elas, a noção de que o passado - suas construções, seus documentos - não deveria ser facilmente apagado e esquecido em nome do progresso.

Livro - O Obsceno Pássaro da Noite


O ponto máximo na carreira do chileno José Donoso é sem dúvida o romance "O Obsceno Pássaro da Noite", escrito em pleno vigor criativo, entre 1962 e 1969, e publicado no ano seguinte. Narrativa espiralada, com múltiplas voltas. Nada mais de acordo com o "Zeitgeist" hispanoamericano do que sua arquitetura cambiante, oscilando entre o fluido e o gasoso, o mágico e o social. Fato que garantiu ao autor uma vaga no exclusivíssimo clube frequentado por Gabriel García Márquez e Julio Cortázar, entre poucos outros.

Livro - O Chamado do Poente

Certa noite, o cairota Ahmad Ibn-Abdallah ouve uma voz misteriosa que o incita a partir. Ele sai de casa ao amanhecer e se une a uma caravana, rumo ao deserto, numa longa jornada de aventuras e descobertas espirituais.
O belo livro do escritor egípcio Gamal Ghitany apresenta o extenso registro das "aventuras singulares, inauditas, que ele viveu viajando de um lugar para outro e de um tempo para outro, impedido pelo irresistível, guiado pelo implacável, sobre o que não adianta falar, argumentar, nem explicar", inspirado em elementos clássicos da cultura árabe e do sufismo.

Livro - Assim na Terra

O primeiro romance do dramaturgo e ator italiano Davide Enia é o relato de três gerações de uma família siciliana. O protagonista é um menino que tem o mesmo nome do autor, Davide, de apelido Davidù. Desde pequeno, ele é preparado para se tornar boxeador em Palermo.

Livro - Tipos de Perturbação

Esse é o primeiro livro da norte-americana Lydia Davis no Brasil. Em 2013, Davis foi contemplada com o Man Booker Prize Internacional e tem outras oito coletâneas de contos e um romance nos EUA.
Suas histórias, que variam de duas linhas a até 50 páginas, são em geral solilóquios onde os narradores parecem tentar equilibrar o peso das próprias sentenças, que soam sempre como definitivas. No entanto, elas são sucedidas por outras frases que parecem ser ainda mais irrefutáveis do que as anteriores, mais verdadeiramente afirmativas.

Livro - Por Sua Conta em Risco

Excelentes séries de TV como as atuais têm fornecido aos leitores o seguinte dilema: para que continuar a ler livros chatos com diálogos morosos e repetitivos (como os de Haruki Murakami, por exemplo) se posso acompanhar a metralhadora colóquio-televisiva proposto por roteiristas desde a extinta "West Wing" até a recente "house of Cards"? É uma boa questão que escritores como Josh Bazell não desprezam.

Livro - Corpus Delicti

Num futuro próximo, um Estado totalitário decretou guerra às doenças. Agora, os cidadãos são constrangidos pela lei a fazer exercícios físicos e exames clínicos regularmente. Nessa sociedade asséptica, obcecada pela saúde, tudo o que antes prejudicava o bem-estar pessoal - cigarro, álcool, drogas, etc. - tornou-se o pior inimigo político do bem-estar social.

Livro - A Morte do Pai

A morte da memória talvez seja o grande tema da teoria da comunicação contemporânea, apontando o dilúvio de informação que baixa (e depois retorna) da nuvem da internet como maior culpado pela fragmentação do passado em infinitos casos do presente.

Livro - O Sermão Sobre a Queda de Roma

Alguns livros ganham força justamente na soma de seus pequenos defeitos. "O Sermão Sobre a Queda de Roma", de Jerôme Ferrari, vencedor do prêmio Goncourt de 2012, está nessa categoria. Num promeiro momento, sente-se o peso dos fraseados longos, ornados com metáforas bíblicas, de sabor apocalíptico. Em contraponto, os diálogos surgem descarnados, quase pueris, como falas de novela. Ao fundo, há o cenário moral emprestado de Santo Agostinho, autor do sermão a que alude o título, o qual ressoa em cada página, como "a maldição divina sobre o Egito".