29 de jun. de 2013

Livro - O Sermão Sobre a Queda de Roma

Alguns livros ganham força justamente na soma de seus pequenos defeitos. "O Sermão Sobre a Queda de Roma", de Jerôme Ferrari, vencedor do prêmio Goncourt de 2012, está nessa categoria. Num promeiro momento, sente-se o peso dos fraseados longos, ornados com metáforas bíblicas, de sabor apocalíptico. Em contraponto, os diálogos surgem descarnados, quase pueris, como falas de novela. Ao fundo, há o cenário moral emprestado de Santo Agostinho, autor do sermão a que alude o título, o qual ressoa em cada página, como "a maldição divina sobre o Egito".

A narrativa "circular e ventiginosa" (como bem aponta Milton Hatoum na orelha) e muito bem traduzida por Samuel Titan Jr. sugere diversas analogias, como se, à vida íntima das personagens, correspondessem os movimentos da história. Marcel, que resiste à doença, à Segunda Guerra e aos infortúnios da África colonial francesa, é quem melhor resume a angústia que atinge cada linha: "Talvez haja apenas um mundo, do qual é impossível fugir". Um mundo que, na famosa máxima agostiniana, "é como o homem: nasce, cresce e morre".
Aos poucos, a arquitetura projetada por Ferrari, convidado da Flip deste ano, revela sua engenhosidade e suas sutilezas: os diálogos mais profundos abrem-se ao leitor em meio à cerração lírica do texto, no discurso indireto livre. A solenidade de alguns parágrafos aplica-se, de forma condizente, à época de guerras e privações - quando a narrativa pula duas gerações, a prosa perde o tom oratório e ganha em ironia. E o lado esquemático das analogias vai ficando menos visível sob a condução cativante dos enredos, que se desenrolam com fluidez, apesar da complexidade implícita em cada cena.
A ressaca do império colonial proporciona a convergência das questões espalhadas pelo romance: a crise de identidade (exemplificada, entre outras coisas, pela "sonoridade rugosa do corso"), a assombração da má consciência (por conta dos pecados dos pais), a inexorabilidade da história (que se repete, como farsa e tragédia) etc. É forte a sugestão de moralismo, mas talvez ainda mais forte seja, de fato, a ironia pessimista (e, por vezes, subliminar) do autor, o que aumenta o prazer da leitura ao mesmo tempo em que amplia o espectro de interpretações.








O Sermão Sobre a Queda de Roma
Autor: Jerôme Ferrari
Tradução: Samuel Titan Jr.
Editora 34
Valor: R$ 42,00
208 páginas
Avaliação: Ótimo

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